O único modo inicialmente coerente de se acreditar na eternidade das penas para todas as almas que não subam aos céus após a morte é crer que as mesmas não possuem mais a faculdade do arrependimento. Ora, se após a morte do corpo a alma conserva a sua individualidade, reconhece-se, pensa e tem a consciência do sofrimento por que está passando, é óbvia a conclusão de que a mesma pode sim se arrepender de tudo o que fez. Afinal, o que melhor faz um ser humano que insiste no erro se arrepender do mesmo? Sofrer as conseqüências, ser punido por causa dele.

Basta também pensarmos que a “eternidade dos castigos corresponde à eternidade do mal. (...) Somente Deus é eterno e não poderia ter criado o mal eterno, do contrário forçoso seria tirar-se-lhe o mais magnífico de seus atributos: o soberano poder, porquanto não é soberanamente poderoso aquele que cria um elemento destruidor de sua obra” para toda a eternidade. A palavra ‘eterno' se refere “às penas em si mesmas, como conseqüência de uma lei imutável, e não à sua aplicação a cada indivíduo”.

“O castigo é o aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção. Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser”. Cessemos nós “de pôr em paralelo, na sua eternidade, o Bem, essência do criador, com o Mal, essência da criatura. (...) Ora, pode Deus ser menos bom do que seria um homem? Outra contradição: pois que Deus tudo sabe, sabia, ao criar um alma, se esta viria a falir ou não. Ela, pois, desde a sua formação, foi destinada à desgraça eterna”, posto que Deus sabia de tudo previamente em sua onisciência. (Entre aspas: trechos do Livro dos Espíritos).

O dogma da eternidade das penas se opõe ainda à lei do progresso do espírito. Se ele fosse uma verdade, Santo Agostinho, São Paulo e muitos outros não teriam jamais visto o céu caso houvessem morrido antes do progresso ocorrido em suas vidas mediante suas conversões. Quantos, chegando a uma idade madura, não revêem tudo o que fizeram: os desregramentos, os vícios de quando jovem, e se propõem uma nova forma de encarar a vida? Mas aí se diz que, no caso de São Paulo e Santo Agostinho, a conversão fora uma graça concedida por Deus especialmente a eles. Torna-se um mero jogo de palavras: se faziam o mal, e depois o bem, é que se tornaram melhores; então progrediram. Mas então Deus lhes teria, por um favor especial, concedido a graça de se corrigirem e terem a possibilidade da salvação? Por que a eles e não aos outros? É sempre a doutrina dos privilégios, incompatível com a justiça de Deus e seu amor igual para com todos os homens.

A idéia das penas eternas não encara de forma alguma a razão e sai vencedora, uma vez que nega, por si mesma e de forma óbvia, dois atributos sem os quais Deus não seria Deus: a misericórdia e a bondade infinitas. Afirmar a existência da eternidade das penas é afirmar a existência de um termo à misericórdia divina (isso não se pode de forma alguma negar).
Lancemos mão de um axioma fundamental da filosofia desde a antiguidade – o princípio aristotélico da contradição – para elucidar melhor o caso: “nada pode ser e não ser simultaneamente”. Conlusão: ou a misericórdia divina é infinita, e assim sendo não lhe existe um termo, ou forçoso é pensarmos que a Sua misericórdia seja finita. Simples, não?

“Só entre os egoístas se encontram a iniqüidade, o ódio implacável e os castigos sem remissão” – O Livro dos Espíritos.

Uma vez mais:

"O caráter essencial das penas irrevogáveis é a ineficácia do arrependimento, e Jesus nunca disse que o arrependimento não mereceria a graça do Pai."
(O Céu e o Inferno)

3 comentários:

Rita de Cassia disse...

Carol, vim buscar meu presentinho... adorei! obrigada, obrigada. E quero mais uma vez, e outra vez te dizer, o quanto é IMPORTANTE pra mim, o seu blog.
Beijos

Dulce Miller disse...

"O dogma da eternidade das penas se opõe ainda à lei do progresso do espírito"

Essa frase do texto me confortou... esse título do post dá medo! \o/

Beijo, Carol!!!

Carol disse...

Que bom que a pena não é eterna, que não somos condenados a permanecer pagando sem fim, sem perdão!!!
Beijo nos seus corações !